ARTIGOS

CORONÉIS


O “coronelismo”, símbolo de poder da classe dominante, sempre existiu nas sociedades e se expressa claramente nas manobras de controle social com o objetivo de manter as ideologias predominantes, mantendo a “paz social” tão controversa com um sistema injusto de concentração de riqueza.


Se o signo “coronelismo” foi cunhado a partir de uma situação peculiar da história do Brasil, sua significação é ampla, antecede e sucede esse pontualismo histórico, pois descreve a eterna luta de classes das sociedades, onde o Estado entra como grande garantidor do “status quo” em vigor, o público e o privado necessitam ser confundidos para se garantirem em um ciclo vicioso de “uma mão lava a outra”.


Considerando que o Estado é a sociedade, suas forças política e de comando são apenas uma pequena parte desta sociedade e, infelizmente, a parte dominante economicamente, isto porque, para se manter destacada, a elite necessita organizar a sociedade de forma conveniente, e para tanto é imprescindível que o Estado seja, em todas as esferas, adaptado a sua vontade.


As adaptações de controle social se deram e se darão de acordo com o imperativo de cada época. Anteriormente, na primeira fase do Brasil República, onde o voto deveria ser uma forma de restringir esse mando da elite, esta mesmo, que dominava a política, forneceu a possibilidade de controle eleitoral através de voto aberto, podendo assim controlar a população que vivia sobre o seu comando, dependente sócio e economicamente destes “senhores”. Com as mudanças sociais estabelecidas a partir do desenvolvimento cultural e tecnológico da humanidade, estes redutos eleitorais dominados pela autoridade de um grupo fechado foram se descentralizando devido a mudança no sistema para voto secreto, pela fuga do sistema agrário, além da “informação/educação” que passa a ser o fundamento da nova ordem mundial, surgindo aí um problema que dificultaria a controle eleitoral, tão necessário para a manutenção do controle político e econômico.


A possibilidade de se perder o poder de influência política devido as novas circunstâncias estabelecidas, demandava da classe dominante impor outras formas de controle que conseguisse sobrepujar não mais pela dependência sócio econômica, mas pelo controle da informação e da consciência social. Para tanto, dominar os meios que dissemina a informação é imprescindível, passando a estabelecer via poder político-legislativo regras adequadas aos seus interesses de domínio dos meios de comunicação em massa: rádios, jornais, TV etc, Todas as tentativas de controle estatal de transmissão ou conteúdo é rechaçado por este grupo através da força político-legislativa existente, além de tentar usar esta mesma força para controlar os meios abertos, como é o caso da internet e das rádios comunitárias, únicos meios destoantes da hegemonia “coronelista”.


O termo, anteriormente empregado para designar o comandante político e econômico regional se adapta a nova realidade tecnológica. Os mesmos comandantes, agora detentores dos meios de comunicação, passam a ser os “coronéis eletrônicos” que dominam o que a sociedade deve saber, como deve pensar e acima de tudo, como deve agir, garantindo assim as “dinastias políticas econômicas” locais.


A confusão aparente entre público e privado estabelecida pela classe dominante pode e deve ser entendida, no sistema social vigente, como os dois lados de uma única moeda, onde separadas não tem valor e juntas têm o poder universal de estabelecer relações de domínio, de controle, de comando.








PRESO DO ESTADO OU PRODUTO DA MÍDIA?



As leis existentes respaldam-se no direito a dignidade da pessoa humana, que filosoficamente é discutido a muito tempo e é entendido como virtudes morais necessárias que conduzem os indivíduos no meio social. É impossível pensar em .justiça social sem ter o principio da dignidade humana totalmente internalizado, primeiramente pelo individuo, depois pela família, pela sociedade e principalmente pelo Estado que detém o dever de proteger os indivíduos respeitando suas peculiaridades e necessidades individuais. Discutir o dever do Estado de assegurar este direito já não cabe mais na sociedade atual, pois é pacificado tanto na doutrina quanto nas leis, mas é relevante questionar até que ponto o Estado faz cumpri-las.

Lei de Imprensa (67), não recepcionada pela CF/88, pois no seu artigo 5º assegura o direito de liberdade de expressão, mas também, e principalmente, o direito à intimidade, à vida privada, a honra e à imagem que servem como limitadores da liberdade de expressão. Daí surge a pergunta: se existe na lei maior um limite, por que todos os dias são mostrados indivíduos, normalmente de classes sociais baixas, como se tais direitos não existissem? Por que a mídia se acha no direito de, além de mostrar, ainda desqualificar o individuo, não o “criminoso”, mas a pessoa humana? Um interrogatório sem nenhum respaldo legal, onde os mais elementares direitos positivados do preso, que é de permanecer em silêncio e de ser ouvido na presença de um advogado, são desconsiderados.

Essa exposição sem nenhuma forma jurídica viola a idéia de presunção de inocência, podendo levar a sociedade a idéia de condenação antecipada, “vingança”, sem o devido contraditório e ampla defesa que balizam qualquer julgamento. Distorce a linha de julgamento brasileira que é pautado em um sistema acusatório, transformando-o em inquisitório. O “pseudo” jornalista se transforma em delegado, porque inquire, em promotor, pois acusa, em juiz porque julga e sentencia e em sistema de execução penal, pois faz cumprir a pena, além de transformar todas as penas em uma única, a pena moral, através de humilhação, constrangimento, indução a repulsa social, etc.

Este descumprimento legal é justificado com argumentos vazios, onde se defende a exposição do preso para ampliar a identificação de outros crimes ou de testemunhas de outros crimes já identificados, além de servir como oportunidade de defesa do preso. Mas que defesa? se não há na mídia nenhuma legitimação penal. Se o preso for inocente? Como fica a vida pós-episódio? Como será o convívio com pessoas que não tem relações mais intimas com o mesmo? Será que elas irão passar a borracha e aceita-lo como um indivíduo normal, ou será que o estigma de marginal perdurará? Quanto a identificação de crimes ou testemunhas isso é possível e exeqüível com a exibição apenas da fotografia do preso.

O grande problema é que a sociedade vê esta atitude como referência de “bons atos” e muitos destes profissionais que expõem os supostos marginais acabam se elegendo em pleitos eleitorais com a bandeira de defensores da segurança pública. Mas segurança pública de quem? Porque mesmos aqueles que supostamente são corretos hoje, podem no futuro serem os criminosos, ou mais precisamente, serem as vítimas da mídia.

Os elos desta corrente são vastos, desde a mídia, passando pelos policiais, delegados, pelo ministério público que não enfrenta o caso de frente e algumas vezes se beneficia com a repercussão do fato, dos legisladores que fazem de conta que nada está errado e por fim, da própria sociedade telespectadora que dá audiência. Todos os atos são pelos menos questionáveis em termos éticos, logo que nem todos são questionáveis juridicamente. O argumento da liberdade de imprensa, direito da informação, nestes casos, é uma forma punitiva e ilegal de castigo público.

Os artigos legais, tanto da CF, quanto da CC e do CP, respaldados pela declaração universal, são claros no que tange os direitos individuais, estando incluso aí o direito a não exposição da imagem, isto é, a integridade moral da pessoa humana. Mas podemos questionar se além da lei positivada, as regras morais compactuam com o direito ou com a prática existente atualmente e onde estas regras internas, morais, se fundam.

Lembrando Adolfo Sanchez Vasquez, que explica que a moral define o relacionamento entre os homens e estes com a comunidade e, sabendo que a comunidade é dinâmica, pois no passado não havia interesse midiático sobre a imagem do preso, pois não havia recepção popular, hoje a sociedade parece ávida a uma resposta punitiva e imediata do estado aos crimes cometidos. A prisão inicial passa a ser percebida como punição e as reportagens passam a idéia de um procedimento de justiça mais que sumaríssimo, incluem inquérito, processo, julgamento, sentença e punição de uma forma totalmente transparente, a vista de toda a população através de um tela de TV.

Este comportamento moral espelha a realidade humana e social vigente, e se, se justifica por um lado pela ânsia de uma punição imediata e por outro, o destrato aos direitos fundamentais, que só pode ser entendido a partir de duas vertentes: por parte da sociedade a não internalização do outro como parte do grupo social, por parte da mídia e dos agentes de justiça a certeza que o outro é um instrumento de seus desejos, produto comercializável e destaque sócio-profissional. Isso nos remete as idéias Kantianas em que mostra que atos morais e éticos não podem partir nem de propósitos finalísticos, nem da utilização do homem como meio.
O egoísmo humano defendido por Immanuel Kant e difundido como mola propulsora do capitalismo, por Adam Smith, talvez esteja superando o contrato social de Rousseau, pois é perceptível que interesses próprios estão levando os homens a desprezarem outros homens, e o pior, não só os que já fazem parte da conseqüência desta ação, os delinqüentes, mas os que ainda podem vir a fazer, isto é, está gerando todas as condições para o desequilíbrio social, gerando nos excluídos valores éticos diverso dos concebidos pelo grupo dominante.

Se a ética, neste caso, é no mínimo questionável, a justiça também o é, primeiro, pelo fato de que tal tratamento é “selecionador”, só é válido para alguns casos que dão “IBOPE”, segundo, porque não é reconhecido como máxima universalizante, não faz parte da razão inata humana.

Não só o argumento de garantia do direito a informar, mas também a desculpa que este direito é “público” e se sobrepõe ao direito individual do preso de ter sua imagem preservada é também falácia, pois quando se trata de direitos fundamentais a pessoa não tem o direito de negá-los, deixando de ser exclusivamente privado, isto porque o direito privado parte da subjetividade do indivíduo de querer ou não exercer-lo. Não se pode enquanto cidadão, dispor do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, dispostos na Constituição, existem institutos que dão o direito de “formalmente” a pessoa abdicar de alguns deles e, é por isso, que não se fala aqui de proibição incondicional de exposição de imagem do preso, mas de exposição inadequada, unilateral (parte mais forte) e sem objetivo social comprovado, isto é, sem nenhuma fundamentação do ato.

Conclui-se que independente do argumento utilizado pelos veículos de comunicação, supremacia do interesse público, oportunidade de defesa, ou ainda identificação criminal, a exposição decorre da supremacia dos valores econômicos sobre os valores morais, que são respaldados não pelas leis, mas pela falta de cumprimento das mesmas. A omissão do Estado, seja ela na prevenção de atos criminosos ou no exercício do papel de garantidor dos direitos, se torna um influenciador negativo da moral brasileira, uma vez que o não cumprimento das regras positivadas leva a descrença e fatalmente redireciona a sociedade para o regresso ao primitivismo, cada um por si e que vença o mais forte, neste caso, a mídia.






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